terça-feira, 21 de agosto de 2007

hilda


é rígido e mata
com seu corpo-estaca
ama mas crucifica.

o texto é sangue
e hidromel.
é sedoso e tem garra
e lambe teu esforço.

mastiga teu gozo
se tens sede.é fel.

tem tríplices caninos.
te trepassa o rosto
e chora menino
enquanto agonizas.

é pai filho e passarinho.

ama.pode ser fino
como inglês.é genuíno.piedoso

quase sempre assasino.
é Deus.


(1930 - 2004)
em "poemas malditos, gozosos e devotos"
editora globo - 2005 (capa acima)
1ª edição em 1984

site oficial da poeta

Um comentário:

valéria tarelho disse...

Poemas Malditos, Gozosos e Devotos

Sinopse:

"Publicada pela primeira vez em 1984, a série de 21 poemas chamou atenção de imediato por se instalar em uma tradição rara na poesia lírica brasileira: o misticismo amoroso. Leitora privilegiada, Hilda Hilst retrabalha os grandes místicos, retirando deles o motor de um poema sensualmente religioso e incorporando a essa temática uma forma de versificar mais livre e clara. Pode-se dizer, sem muito risco de erro, que os Poemas malditos, gozos e devotos inovam, em um terreno já carregado de experimentação como o poético, justamente na arte de combinar uma temática antiga com uma forma levemente mais moderna. Sendo uma das escritoras mais bem dotadas formalmente da literatura brasileira contemporânea, Hilda Hilst se faz reconhecer justamente no verso musical, melódico e de rimas inconstantes mas sempre surpreendentes. A inspiração religiosa, por sua vez, aparece no cantar íntimo da figura divina, que, colocada na mesma posição do eu-lírico, oferece-se à prática amorosa mas mantém, às vezes de maneira angustiante, um distanciamento que torna o amor sensual, desesperado e às vezes próximo da morte. Nos melhores poemas do livro, o eu-lírico entrega-se à contemplação amorosa da figura divina, conseguindo um enorme efeito da tensão que a proximidade com o inatingível causa. O poema XIX, por exemplo, conclui com uma leve sugestão de ascese que, além de recuperar um momento alto de nossa tradição, lembrando célebre poema de Olavo Bilac, deixa no leitor a angústia inerente a qualquer sentimento amoroso, terreno ou sagrado: "Então me deito sobre as roseiras. / Hei de saber o amor à tua maneira. // Me queimo em sonhos, tocando estrelas". Dessa forma, pode-se dizer que os Poemas malditos, gozosos e devotos ocupam na tradição lírica brasileira o lugar particular de trabalhar a temática amorosa e religiosa através de uma tensão que, casando forma cuidadosamente composta a conteúdo exuberante e reflexivo, eleva o amor à presença divina e, na contra-mão, traz Deus para os devaneios do ser que ama."