sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

blue moon


imagem "blue moon over manhattan"
©
http://flickr.com/photos/atomicshark


olhar atento ao
mínimo
detalhe [intro]

olhar perito ao
auscultar o íntimo
e dissecar a fonte

olhar com tato de
lente que sente
ledos relevos
na ponta dos dedos

olhar clínico a
percorrer caminhos entre
vertentes vãos viéses

olhar de vacilo
se os desvãos do olho
nu anunciam [tu -
com tudo - e teu
azul mais cínico]

e não desvio
o gozo riso
contido

no vaivém
dos cílios


segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Acidez




Eis que caí em mim
E me vi raso, seco
Ácido

Eu que sempre
Olhei espelhos
Pra te ver assim
Voante

Que sempre
Atravanquei estantes
Com livros raros
E flores de papel

Eu que sempre
Cantei mentiras
Pra me ter assim
Errante

Que sempre
Entulhei minha alma
De promessas
E revoluções

Agora que caio em mim
Me vejo assim
Raso
Seco
Ácido


Victor Barone
imagem: daqui

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

poetriz

dentro de mim
mora uma vadia
que trepa com rimas
a troco de poesia

dentro de mim
habita uma pueta
que de esquina em esquina
se estrepa em estrofes
(só se fode)

dentro de mim avança
essa mulher à margem

: à minha imagem
e semelhança


valéria tarelho

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Robert Creeley

The Language


Locate I
love you some-
where in

teeth and
eyes, bite
it but

take care not
to hurt, you
want so

much so
little. Words
say everything.

I
love you
again,

then what
is emptiness
for. To

fill, fill.
I heard words
and words full
of holes
aching. Speech
is a mouth.





A Linguagem


Perceba Eu
te amo algum
lugar en-

tre dentes e
olhos, morda
mas

tome cuidado
para não ferir,
você tão

pouco quer tan-
to. Palavras
dizem tudo.

Eu
te amo
de novo,

o que
é vazio
para. Pre-

encher. Encher.
Ouvi palavras
e palavras cheias

de buracos
doendo. Fala
é a boca.


© 1987 Robert Creeley
tradução: Régis Bonvicino

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

intro-

sua
glande
lábia

sua
pará_
bola

seu
veneno
e
s
c
o
r
r
e
n
d
o
.
.
.


...grandes
e pequenos
lábios

adentro


valéria tarelho

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

jeans

A carne forçada
sob a calça jeans
quase explode
querendo sair.

O tecido vibra
fibra a fibra
trêmula grade
implodido jardim.

Enquanto a carne
flora pura
implora em si.


© Frederico Barbosa

do livro: "Contracorrente", Ed. Iluminuras, 2000, SP

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

pouco me lixando

meu verso é lixo
e recolho pelo chão da sala
pelo piso da cozinha, atrás dos móveis
por debaixo dos tapetes
em meio a restos de tão pouco
montanhas e mais montanhas de ainda menos
nas prateleiras não há nada, leve o quanto quiser.
minha rua é um deserto
a vizinhança é o meu peito aberto
cravado de balas e migalhas de biscoito
estou sempre convidado a beber meu chá das oito
que às cinco é outra droga, algum esterco tipo oriental
e das seis às sete pratico yôga e me perco no quintal.
eu sou meu próprio eco, meu reflexo no espelho
é quando a deus mais me assemelho
eu sou meu lar
doce e amargo endereço, qualquer lugar
sou eu mesmo a qualquer preço
respiro meu próprio ar
eu sou meus versos, sou todos os meus lados
meus passados passos reciclados
-prazer, me chamam rodrigo!
eu sou tudo que trago comigo
e não descarto por puro romantismo.
sou mesmo isso
sou meu mais nobre e repugnante monte de lixo.

© rodrigo mebs

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

umbigo



umbigo:
entremeio obscuro
furo
entre fenda e seios
senda
da sua libido
vereda
em que passeiam
língua e dedos
orifício
que permeia
o desejo
poço
a um passo
de meu sexo


valéria tarelho
publicado no Livro da Tribo 2005 pgs. 170/171
ilustração de José Carlos Martinêz,
especialmente para a agenda

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

storyboard

No lado de dentro
Teus dedos diretos
Em movimentos macios
Eretos como falo
Em contato com o rio
Fluente alvo que verte
E vadio se diverte
Quando escancaro
Na tua boca
(entre as coxas)
as pequenas fendas
Em rendas e labaredas
Para que me metas
Apenas o que eu mereça...


© Sandra Regina

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

noturno


imagem: "emptiness" © tom persinger

eu
adepta dos venenos
(lentos-letais)
dos 'poemácidos'
alucinógenos

eu das carnes cruas
das palavras acres
das idéias kamikazes

eu e meu
harakiri
de araque

eu talvezquemsabe
dust in the wind
cheirando a pó
eau de álcool & tabaco

eu (aquela)
de nós cegos
do (só meu)
desassossego
da sua (evi[l]dente)
sequela

eu
dos vôos solos
na boléia
brindando a boemia

em co[r]pos de geléia


valéria tarelho

segunda-feira, 8 de setembro de 2008



Ela chegou quando outubro se foi
adentrando a estação do suor ofegante
Ela chegou molhada com aroma de pérolas de pétalas de plumas
os peitos arfantes
as pernas à mostra
os olhos de um verde duvidoso
os cabelos de fogo
os cabelos...
Ela chegou muda
do avesso um mutante
personagem estonteante de uma obra de ficção
(lembrem-se: era outra estação)
Eu o eterno prolixo
ironizei aquela modernidade
e averso à mudanças
parti


sidnei olivio

domingo, 31 de agosto de 2008

caos


citação de Goethe cartões Benedito


a vida anda lerda
arrasta-se lesma
marcha-lenta
mescla de merda
com porra alguma

a vida [boca suja]
bamba na corda
pega no tranco
leva na bunda

a vida anda nas últimas
goza nas coxas
cochila no ponto

a vida anda às cegas
fraca das pernas
no osso do ócio

no fundo
a vida desanda
e não enxerga
a medida do poço

a vida está um caco
um buraco cósmico
tremendo saco

anda puta da vida
e ainda declama
seu caos tragicômico

a vida poeta
percebe poesia
no olho do
vácuo